1928

Carta 8

Évora, 2 de Janeiro de 1928

Minha Reverendíssima Madre

Este dia em que lhe escrevo lembra-nos a sua amada e santa Irmã; ela celebra no Céu o aniversário do seu nascimento, mas eu na terra não a esqueci. No Céu, os bem-aventurados já não fazem anos, pois estão na Eternidade que não passa, mas nós gostamos de os considerar semelhantes a nós, ainda que nunca envelheçam, e agrada-nos festejar-lhes as datas festivas, como se vivessem ao nosso lado. E em verdade eles vivem, mergulhados no amor eterno que é a verdadeira vida.

Não é verdade que a sua santa Irmã está viva, ela que se manifesta na chuva de rosas que cai continuamente?

Na minha diocese já caiu muita, e devo-lhe incomensuráveis benefícios. Ela foi muito generosa comigo e eu nunca chegarei a testemunhar-lhe o meu reconhecimento.

Creio que lhe disse que o bom e virtuoso Padre Mateo, o apóstolo do Sagrado Coração, está cá. Começou o seu apostolado em Portugal pela minha diocese, onde prega três retiros sacerdotais (ao clero da diocese) e o retiro dos seminaristas, encantando os seus ouvintes e acendendo a chama do amor divino e do zelo. Temos a registar algumas conversões de padres, e vê-se aumentar o fervor. Também falou ao povo, junto do qual a sua palavra operou prodígios. Com todo o rigor da expressão, ele é um homem de Deus. Não se imagina o bem que ele fez, mas é visível que começa a dar-se uma transformação. Estamos nas vésperas de um renascimento religioso.

Fala muitas vezes da Teresinha, aponta-a como exemplo, e encoraja a devoção a ela. E ela não o desmente, muito pelo contrário, ela premeia a confiança dele. Como vê, minha reverenda Madre, privamos com a sua santa Irmã, ela não nos perde de vista. Agradeça-lhe por nós.

O pobre padre de que lhe tenho falado, não conseguiu ainda libertar-se dos laços indesejáveis: a outra pessoa teima em não o querer deixar, e ele teme alguma loucura se persistir em se separar. Confia na protecção da Santinha, e em sua honra encarrega-se de manter um seminarista para lhe dar um sacerdote, chora, mas ainda não obteve a graça. Se isto não mudar até ao fim de Janeiro, ele vai ter que deixar de celebrar a santa Missa. Mas é preciso esperar, não é assim?

É para ele um encorajamento e uma consolação saber que em Lisieux rezam por ele. Chegou mesmo a ir aí no Verão passado, mas não teve coragem de se apresentar. O que o levou lá foi o de­sejo de resolver a sua situação.

E de mim, que direi?

As minhas dificuldades estão longe de desaparecer. Há defecções, muitos padres ou ao menos alguns, preferem abandonar o altar a abandonar uma situação irregular, o vazio multiplica-se, e vejo as almas ao abandono, sem poder socorrê-las. Não é doloroso?

Permita-me pois, minha reverenda Madre, que me recomende a mim e à minha diocese, às suas orações, às orações das suas irmãs de sangue e às das suas irmãs de religião. É preciso fazer violência ao céu.

Entretanto confesso mais uma vez que a sua santa Irmã me cumulou de graças, e peço-lhe que me ajude a agradecer-lhe. Faça com que ela me dê uma centelha desse amor em que ela ardia.

Sei que em Lisieux se fazem preces pelo apostolado do P. Mateo em Portugal, mas tomo a liberdade de pedir orações por ele. De momento está em Lisboa, e depois vai percorrer várias dioceses, para voltar a Évora pela Semana Santa.

Agora, minha reverenda Madre, vou acabar esta carta por onde devia ter começado, ou seja, desejando-lhe as melhores bênçãos do céu no ano que começa, e formulo os mesmos votos para a sua pia comunidade.

Abençoo-a muito cordialmente no Senhor, e peço-lhe que acei­te os meus cumprimentos muito respeitosos.

+ Manuel, Arcebispo de Évora

Carta 9

Évora, 20 de Abril de 1928

Minha reverenda Madre

Tenho a dar-lhe uma notícia que lhe vai agradar. Venho da Sé, onde benzi solenemente uma bela imagem da sua santa Irmã, na presença de uma assembleia numerosa que assistiu à santa missa celebrada por mim em sua honra e comungou. É a primeira cerimónia de uma linda e devota novena que começa hoje para inaugurar na catedral o culto de Santa Teresa do Menino Jesus. No fim, a 29, faremos a festa, talvez com missa pontifical. Espero que estas manifestações de piedade sejam uma fonte de bênçãos para a cidade e para a diocese, e ouso pedir-lhe que se associe e associe a sua piedosa comunidade a estas cerimónias e a estas orações. A 29, sobretudo, estamos unidos em espírito à bem-aventurada Família de Lisieux.

A Madre estava inspirada quando escreveu numa fotografia da sua santa Irmã «este anjo vela pela diocese de Évora». Com efeito, sinto e vejo o seu doce olhar e protecção sobre mim e sobre o meu querido rebanho, o que me deixa emocionado e confundido. Apesar da falta de clero, há uma renovação de vida e um sopro de misericórdia nos atinge. Bem sabe quanto tenho sentido a desdita de tantos padres. Pois muitos voltaram, o que significa que corrigiram as situações em que se encontravam, e aqueles a quem tive de aplicar as sanções canónicas são muito poucos. Agora é preciso que os obstinados regressem e os convertidos perseverem. As dificuldades e os perigos são grandes, e que o Anjo de Lisieux vele cuidadosamente por estas almas sacerdotais que despertam, mas que estão ainda doentes. O milagre — pois é de um verdadeiro milagre de graça que se trata — há-de ser completo, não é?

O pobre padre de que lhe tenho falado não conseguiu ainda cortar as suas tristes amarras. Chora, reza, abandonou as funções sacerdotais de que se acha indigno, esperando que chegue a hora da misericórdia e que o demónio, que o destroça, o abandone. O Padre Mateo muito tem trabalhado pela sua libertação, mas a hora da graça não chegou ainda. Mas um clarão de esperança começa a romper, e a Santinha há-de arrancar esta presa a Satanás. O pobre padre foi a Lisieux no ano passado na esperança ansiosa de obter graças. Sabia que aí rezavam por ele, mas na situação em que está, não teve coragem de se anunciar e identificar. Eu próprio não sabia de nada, e só mais tarde vim a sabê-lo.

Quando esta situação se regularizar, será um grande exemplo e uma lição salutar e edificante neste meio em que ainda se compreende tão mal a sublimidade e a pureza da moral católica. É por isso que o inferno lhe põe tantos obstáculos, mas ele não há-de triunfar.

Agora quero dar-lhe conta dos prodígios de graça operados pelo apostolado do Padre Mateo, mas prefiro deixar isso para outra carta. Como bem sabe, ele prega as misericórdias do Sagrado Coração, e não cessa de cantar as glórias de Santa Teresa do Menino Jesus a quem chama irmã celeste, e de proclamar aos quatro ventos a sua poderosa intercessão. E os factos dão-lhe razão. Está admirado com a devoção que Portugal consagra à Santa de Lisieux, que não esperava ser tanta. É tempo de acabar, não acha?

Como estamos em pleno período pascal, peço ao bom Deus que lhe conceda a si e às suas Irmãs de sangue e de religião as santas alegrias e as poderosas graças da Ressurreição.

Abençoo-a de todo o meu coração, agradeço-lhe a sua caridade solícita para comigo, e peço que aceite a expressão dos meus melhores cumprimentos no Coração de Jesus.

+ Manuel, Arcebispo de Évora

Carta 10

Évora, 5 de Agosto de 1928

Minha reverendíssima Madre

Há muito tempo que penso escrever-lhe, mas só hoje tive ocasião.

Gostava de lhe descrever a festa da sua Santa Irmã, que foi magnífica e devota. Uma menina encarregou-se de fazer um breve relato, que segue junto.

O santo Padre Mateo partiu, mas deixou atrás de si um rasto de luz. A passagem dele trouxe uma prodigiosa renovação de vida espiritual, e muitas almas regressaram à casa do Pai do Céu, que tinham abandonado ou não conheciam. É também obra de Santa Teresa do Menino Jesus, de quem ele tanto falava e a quem confiava o seu apostolado. Diz bem, minha reverenda Madre: ela ama a diocese de Évora.

Esta é uma boa ocasião para ela exercer a sua poderosa intercessão. O Superior do meu Seminário (o maior e o menor) foi nomeado bispo, e não encontro na minha diocese um padre para o substituir.

É um grande problema que me faz sofrer, como pode imaginar, e peço ao Céu que venha em meu auxílio. Reze também por esta intenção.

A seguir a Évora, Elvas, a segunda cidade da diocese, prestou homenagem à Florinha de Lisieux. No dia 4 de Junho, aniversário da minha Missa Nova, inaugurei um altar na capela que lhe é consagrada, numa igreja que é uma verdadeira jóia de arte árabe. Foi uma cerimónia muito simples, mas muito comovedora e de muita piedade. Tinha-se uma sensação sobrenatural. Em encomenda separada, mando as fotografias da igreja e da capela com o altar.

Sem tanta solenidade, a imagem da Santinha está exposta em muitas igrejas, por exemplo, em todas as paróquias de Évora.

Que este anjo faça cair uma chuva de rosas na diocese, em tantas almas desviadas e abandonadas, nos padres e no pobre pastor. Quisesse ela ensinar-me a sua lição do amor! Que feliz eu seria!

O pobre padre de quem lhe tenho falado continua vítima da sua escravidão. Não chegou ainda a hora da libertação: quando será isso? Rezemos, pois é preciso fazer violência ao Céu.

Quero fazer-lhe uma pergunta, mas temo que à partida esteja condenada ao insucesso, mas ainda assim, vou tentar. Pode acontecer que ela corresponda a um desígnio do Céu, e então a causa está ganha.

A Madre quer uma carmelita portuguesa? Eu dava-lhe uma Teresinha, uma alma de escol que leva no mundo uma vida angelical, que aspira ao Carmelo, mas nem sequer suspeita desta iniciativa minha. O Padre Mateo conheceu-a, ouviu-lhe as confidências e admira a sua virtude. Se perguntasse a opinião dele, diria que a aceitasse. A família nada sabe das suas aspirações; provavelmente esperam-na duros combates, mas- ela está preparada para tudo. Se a Madre aceitar, ela vai ficar feliz e contente, e isto seria uma graça mais a juntar a tantas graças com que o Céu a cumulou. Deixo o assunto nas mãos de Santa Teresinha.

Inscreva-me nessa associação sacerdotal de que me falava numa das suas últimas cartas. O regulamento que me enviou não me chegou às mãos, pelo menos não o vi, e peço-lhe pois que me mande outro exemplar.

Muitas vezes rezo por si e pela sua comunidade, especialmente pelas suas irmãs: assim pago uma dívida e presto homenagem à sua Irmã do Céu, a quem devo tantas graças.

Abençoo-a de todo o meu coração, minha reverenda Madre, e peço-lhe que aceite a expressão dos meus respeitos em Nosso Senhor Jesus Cristo.

+ Manuel, Arcebispo de Évora

Carta 11

30 de Setembro de 1928

Minha reverenda Madre

Há 31 anos que a Madre viu partir para o Céu a sua querida e santa Irmã, então tão escondida e hoje tão conhecida e tão amada em todas as partes do mundo. Depois de, no púlpito, ter louvado e evocado as suas glórias, faço questão de prestar as minhas homenagens e apresentar as minhas congratulações àquela que foi a sua confidente e a sua segunda Mãe. Junto ao altar, não a esqueci a si nem às outras irmãs daquela a quem a Madre, com caridosa benevolência, também chamou minha Irmã.

Agradeço-lhe por me ter associado à União Sacerdotal dos Irmãos Espirituais de Santa Teresa do Menino Jesus. Fico feliz por pertencer a esta piedosa associação, na qual eu vejo um poderoso meio de santificação, e uma fonte abundante de energia sobrenatural. Espero que a Santinha, tão apaixonada pelo apostolado, se digne comunicar à minha pobre alma uma centelha do zelo que lhe queimava a dela.

Mandei à aspirante ao Carmelo a pequena imagem que a Madre lhe enviou. Ficou encantada, e creio que já vo-la terá agradecido. Se a Madre lhe escrever, não se refira a mim. Peça por ela, para que o bom Deus se lembre dela. Que o vosso Anjo a conduza.

O meu Seminário abriu as portas aos alunos que regressam de férias e aos que vêm de novo. Falta-lhe ainda superior, pois o outro foi elevado ao episcopado, e ainda não encontrei um padre para o substituir. Recorri ao Santo Padre, e conto com a protecção da Santinha. Há-de aparecer o superior, e um superior devoto do Coração de Jesus.

A 15 de Outubro tenho o retiro dos meus sacerdotes. Como lamento não ter aqui o santo Padre Mateo para o pregar! Reze e peça orações por esta intenção.

Abençoo-a de todo o meu coração, e peço-lhe que aceite a expressão dos meus cumprimentos muito respeitosos.

+ Manuel, Arcebispo de Évora

    

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